A Génese deste Blog

Crio este blog numa fase particularmente nebulosa da minha vida, mas a verdade é que este é porventura um momento em que as verdades essenciais se me afiguram mais claras.
"Falarei" sem rodeios dos eufemismos que nos rodeiam no dia-a-dia e que vão travestindo de forma mais ou menos subtil as verdades que não são ditas ou que, de tão bem camufladas, tendem a perder o seu real impacto.
Não pretendo aqui partilhar, pregar ou defender cores, bandeiras, religiões ou políticas. Nos escritos que aqui deixar, e que amavelmente alguém resolva dedicar tempo a ler, limitar-me-ei a descrever as coisas, os ditos eufemismos, tal e qual como os vejo e sinto.
Neste blogue farei uso do rico e precioso vernáculo português quando me aprouver e sempre que um determinado eufemismo me revolva de tal forma as entranhas que só um bom grito de "Foda-se!" me permita exorcizar a sensação de impotência e libertar a tensão.
Não sou um ser perfeito, aliás bem longe disso, mas tenho olhos na cara (ou no coração?) e um cérebro que me permite pensar e avaliar o que se passa à minha volta. Portanto, partilharei aqui cada eufemismo que cruze o meu dia-a-dia e que me ponha a pensar.
Por último, reservo-me o direito de escrever de acordo com a "antiga ortografia" correndo o risco de ser chamado de velho do Restelo, bota de elástico ou qualquer outro "eufemismo" (quiçá até um palavrão), mas faço-o por opção própria e convicção.
Gonçalo Ene
21/02/2014
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25 março 2014

Workaholic (Viciado no Trabalho)

Hoje escrevo sobre um eufemismo que, qual chavão importado dos States, faz furor no mundo profissional. Escrevo sobre o Workaholic ou, na língua de Camões, o Viciado em Trabalho.

Corro aqui deliberadamente o risco de ser controverso, de gerar polémica, de me chamarem alguns “eufemismos” ou até, quem sabe, algum disfemismo (leia-se palavrão), mas em bom português eu chamaria a um Workaholic nada mais, nada menos do que Incompetente.

É verdade… espantem-se os que pensam que os Workaholics ou viciados no trabalho ou o raio que os parta são aqueles trabalhadores incansáveis e exemplares, aqueles cidadãos que formam pilares de um sociedade bem formada, aqueles pais que servem de exemplo às gerações vindouras, aqueles filhos que enchem de orgulho os papás, avós e demais familiares.

Na realidade estamos a falar de seres Humanos que primam pela incompetência pura e dura, em pelo menos uma faceta da sua vida.

Senão vejamos: o Workaholic do tipo Incompetente Profissional é aquele indivíduo que, por não saber organizar o seu próprio trabalho, nem o dos que lhe reportam, se obriga a si mesmo a trabalhar horas e horas a fio sem ver o fim à pilha de trabalho a fazer. Esta espécie de Workaholic não sabe consequentemente delegar, nem gerir o trabalho de terceiros e portanto acaba por entregar horas infindas da sua finita existência à arte de “bem trabalhar”. Escusado será dizer que este espécime, acaba por arrastar na sua senda de labuta desenfreada todos os que se encontram à sua volta; ou melhor, e sem eufemismos, à sua mercê.

Mas ainda há mais: o Workaholic do tipo Incompetente Social é aquele que não vê barreiras entre o trabalho e o resto do mundo à sua volta. Desta forma, varre toda a sua vida pessoal (família, amigos, etc.) para um vórtice profissional que acaba por engolir tudo o que merece ser vivido para lá do trabalho. Estes “excelentes trabalhadores” são aqueles que por terem tanto trabalho acabam por não “poder” ir ao hospital visitar um familiar doente. Estes “profissionais abnegados” são aqueles que trocam o telefonema para um filho ao final da tarde por telefonemas “urgentes” de longa duração para outros pares na organização. Estes indivíduos esquecem-se que a expressão Ser Humano, só faz sentido quando se sabe conjugar na primeira pessoa o verbo Ser.

Claro está que os “maravilhosos” Homo Sapiens Sapiens que conseguem ser simultaneamente Incompetentes Profissionais e Incompetentes Pessoais são indivíduos que merecem ser analisados em laboratório: são perigosos, agressivos, sedentos e não olham a meios para atingir os seus fins… sejam estes uns degraus acima na “escala do estatuto” ou uma tromba amarfanhada por um AVC. Em ambos os casos, e infelizmente, não estão confinados a um laboratório... andam por aí à solta.

No entanto, existem excelentes profissionais que conseguem trabalhar com competência, verticalidade e muitas horas de trabalho a fio, sem descurarem (diria mesmo sacrificarem) a sua vida pessoal, os seus hobbies, a sua Vida… mas, não obstante, estes indivíduos de excelência são apenas estrelinhas que brilham isoladas nas pontas distantes de uma curva de Gauss. São, tão só e apenas, a excepção que confirma a regra!

Quod Erat Demonstrandum 

P.S.: Também eu já fui, e evito actualmente com esforço tornar a ser, um Incompetente Social. Portanto, e porque estamos em maré de States, eu digo: “Been there done that”… e que se fodam os eufemismos: Não Quero Mais!

11 março 2014

Subnutrição

Escrevo hoje em nome de um eufemismo que está em voga nos tempos que correm.

Oiço e leio ultimamente, e cada vez com mais frequência, histórias de crianças que sofrem de subnutrição.

Oiço e leio histórias de crianças que vêem na cantina escolar a luz ao fundo do túnel (ou devo dizer do estômago) e que esperam encontrar fora de casa o vazio que lhes enche as entranhas.

E de que sofrem estas crianças (e, já agora, os adultos!) dos nossos tempos?

Chamam-lhes subnutrição, subalimentação, défice nutritivo,... mas estão enganados! Estão a suavizar, a embelezar e a carimbar de inocência uma palavrinha de quatro letras que, apesar de ter um O e um M no meio e de nos revolver o corpo de forma visceral, não é o Amor.

Pois que se fodam os eufemismos! Estas crianças, estas gerações de um País que se diz evoluído ou desenvolvido estão, em pleno século XXI, a passar Fome!

Deixe-mo-nos portanto de tretas e de "fala-baratismos" caros. Os termos técnicos e as menções de cariz médico-fisiológico não enchem barriga.

As tretas que nos impingem diariamente, que nos entram pelos cinco sentidos dentro quase automaticamente e sem pedir licença, não servem a estas crianças para preencher um frigorífico vazio. Não conseguem nutrir de esperança os olhos vazios de brilho que estagnam perante o alvo frio gelado e repleto de vácuo.

É Fome car@s amig@s e não é em África, não é no "3º Mundo". É no nosso País, na nossa Cidade, na nossa Rua; quiçá, no andar ao lado?

É Fome! Mas que se lixe, porque estamos agora mais competitivos, mais cumpridores, mais "ajustados", menos gastadores,... estamos tudo isto e ainda assim milhares (ou milhões?) de nós estão esfomeados.

Mas como só a Morte não tem solução, deixe-mo-nos dormir, porque interessa a alguns e afinal, como se costuma dizer, "dormir é meio sustento".