A Génese deste Blog

Crio este blog numa fase particularmente nebulosa da minha vida, mas a verdade é que este é porventura um momento em que as verdades essenciais se me afiguram mais claras.
"Falarei" sem rodeios dos eufemismos que nos rodeiam no dia-a-dia e que vão travestindo de forma mais ou menos subtil as verdades que não são ditas ou que, de tão bem camufladas, tendem a perder o seu real impacto.
Não pretendo aqui partilhar, pregar ou defender cores, bandeiras, religiões ou políticas. Nos escritos que aqui deixar, e que amavelmente alguém resolva dedicar tempo a ler, limitar-me-ei a descrever as coisas, os ditos eufemismos, tal e qual como os vejo e sinto.
Neste blogue farei uso do rico e precioso vernáculo português quando me aprouver e sempre que um determinado eufemismo me revolva de tal forma as entranhas que só um bom grito de "Foda-se!" me permita exorcizar a sensação de impotência e libertar a tensão.
Não sou um ser perfeito, aliás bem longe disso, mas tenho olhos na cara (ou no coração?) e um cérebro que me permite pensar e avaliar o que se passa à minha volta. Portanto, partilharei aqui cada eufemismo que cruze o meu dia-a-dia e que me ponha a pensar.
Por último, reservo-me o direito de escrever de acordo com a "antiga ortografia" correndo o risco de ser chamado de velho do Restelo, bota de elástico ou qualquer outro "eufemismo" (quiçá até um palavrão), mas faço-o por opção própria e convicção.
Gonçalo Ene
21/02/2014
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20 maio 2014

Abstenção

Estamos em época pré-eleitoral. Aproximam-se as Eleições Europeias e com elas surge o inevitável “papão” da Abstenção.

Mas será que alguém já se debruçou verdadeiramente sobre este palavrão que nos vai desgastar os tímpanos durante, pelo menos, o próximo mês? Já alguém se apercebeu que este termo quase técnico e frio, com odor a bafio e som de fome, não é mais do que um eufemismo?

A mim parece-me que não estamos a “chamar os bois pelos nomes”. Se votar é um direito conquistado com luta e sofrimento, então, abstermo-nos de usufruir dele na sua plenitude, não é mais do que termos falta de civismo, falta de valores, falta de patriotismo e de sentimento de Povo.

O tipo que não vota é o mesmo tipo que diz mal e crítica os governantes eleitos pelos que votaram.

Este tipo é o mesmo que vocifera contra a corrupção e os compadrios em redor do Estado, ao mesmo tempo que exibe com orgulho, como se medalhas de mérito se tratassem, as suas façanhas de fuga ao fisco.

Este tipo é aquele que sai à rua, com outros largos milhares, para festejar vitórias futebolísticas, mas que não se digna levantar do sofá para vir manifestar-se quando os direitos lhe são roubados ou espezinhados no Parlamento.

Este é o tipo que fala à boca cheia das “maravilhas dos tempos da outra senhora” sem se lembrar, ou pior sem saber, que nesses tempos “dourados” nem à boca vazia (de pão) podia falar.

Este é o tipo que atira a garrafa de água pela janela do carro ou o papel para o chão e que, em simultâneo, elogia a limpeza das ruas de outras cidades do mundo que porventura teve a felicidade de conhecer ou visitar.

Este é o tipo que acelera descontroladamente pelas estradas de Portugal, mas que afrouxa o acelerador logo que atravessa a fronteira quando vai a Badajoz “comprar caramelos”.

Este é o tipo que tenta dissimuladamente, ou às claras e sem vergonha na cara, passar à frente numa fila qualquer, apenas porque se acha superior ou simplesmente mais esperto que os restantes.

Este é o tipo que confunde mérito com “chica espertice”.

Este é o tipo que fala mal de Portugal a torto e a direito, mas que se emociona e arrepia a ouvir o hino da nação no início de um jogo da selecção nacional.

Este é o tipo que compra (ou vai, endividado, comprando) um smartphone ou tablet de última geração apenas para “ir ao Facebook”, ou para ver “espasmos de jornalismo” na imprensa dita cor-de-rosa, ou para jogar “Candy Crush” ou até para acompanhar as últimas da “Casa dos Segredos”, sem se lembrar que tem ao alcance dos dedos um manancial de informação e Cultura que poderia saborear.

Este é o tipo que troca a ida às urnas pela ida à praia, porque não vale a pena votar.

Este é o tipo que, como eu, está desiludido com a Política e a Democracia em Portugal, mas que opta por se resignar ao K.O. sem levantar os punhos e lutar.

Este tipo sou Eu. Este tipo és Tu. Este tipo é tudo isto, mas não é Nós, porque Nós não existe enquanto Povo.

Nós não existe enquanto Portugal, porque estando tão focados no nosso próprio umbigo, nas nossas necessidades e no nosso bem-estar, não conseguiremos tomar nas nossas mãos as rédeas do nosso destino como Povo.

O tipo da abstenção, na improvável possibilidade de ler estas palavras, ficará com uma dose de tédio de fazer bocejar, ou constrangido por se ver retratado de forma tão crua, ou até ofendido por se ver atacado sem eufemismos, nem atenuantes.

Pois se for esse o caso, então que reaja! Então que mostre ser merecedor de um cartão de Cidadão! Então que mostre saber sê-lo plenamente!

Então que vá às urnas e, se não se identificar com as opções no boletim de voto, pois que tome uma posição e o encha com uma nulidade do tamanho da sua revolta ou com o branco alvo da sua indignação.

Então que vá às urnas e, se não quiser “seguir a carneirada”, que vote nos mais pequenos e improváveis vencedores, dando uma lição de Democracia àqueles que, do alto do poleiro, escarnecem em total desrespeito aqueles que neles votaram e confiaram.

Em último caso, caso pretenda adoptar um movimento que começa a tomar expressão e que apela à abstenção como mecanismo de alteração do sistema político em Portugal, abstenha-se em consciência e como tomada de posição política! Manifeste-se! Que a Abstenção seja também ela um voto e não o mero sucumbir à preguiça, à indiferença e à resignação.

Em qualquer dos casos, tome uma posição: Vote!

05 maio 2014

O Futuro (ou como nos é "vendido")

Na Sociedade actual, nos tempos dito modernos, fala-se, arriscaria excessivamente, no Futuro. O Futuro converte-se quase imediatamente numa entidade constante nas nossas vidas.

O Futuro passa a ser uma obsessão doentia: Vai haver cautelar ou não? Qual vai ser o défice? Quais serão os sacrifícios? Terei emprego? Haverá direito à reforma? Conseguirei sustentar os meus filhos? Serei feliz? Viverei?

As questões amontoam-se umas em cima das outras, e todas em cima de nós, ao ponto de parecer que sufocamos. Curioso, não? Tornamo-nos tão obcecados com o Futuro e acabamos por afogar o Presente, acabamos por nos esquecer de viver.

O Futuro, este futuro que nos corrói a alma, acaba por ser a eterna cenoura que perseguimos, esquecendo que as chibatadas que levamos da Vida acontecem Agora e que a carga que carregamos às costas já passou há muito tempo, mora num lugar chamado Passado.

O Passado, esse, acaba por ser a fonte de alimentação deste Futuro que nos arrasa no dia-a-dia: queremos ardentemente não cometer os mesmos erros, ansiamos por não sofrer o que sofremos, lutamos por ter mais do que tivemos, desejamos amar mais do que amámos.

Mas quando nos apercebemos, já estamos a conjugar os verbos novamente no Pretérito Imperfeito e as oportunidades do Futuro, fugazes como uma brisa fresca em tarde quente de Verão, simplesmente passaram... É a verdade: esforçamo-nos  de tal forma por viver o Futuro, que acabamos por conseguir apenas sobreviver na rotina que aceleradamente se converte em Passado.

Nesta luta diária, em que obsessivamente buscamos o amanhã de olhos postos no dia de ontem, alimentamos a fornalha das preocupações, dos projectos, do que há-de vir, esquecendo que o dia, a hora, o minuto, o segundo, mais importantes são este preciso momento. Estamos aqui, estamos vivos, merecemos sorver este instante como se fosse o último das nossas vidas ou como se encerrasse na sua pequenez uma imensidão infinita.

No entanto, e como interessa à “sociedade actual”, importa pensar assim, importa retermo-nos no Futuro que não sabemos sequer existir. Interessa marchar no carreiro, interessa subsistir, interessa produzir, interessa alimentarmo-nos dos que vacilam e tombam ao nosso lado, interessa garantir que a rainha ponha os ovos, reproduza, crie mais de nós, para se perpetuar este ciclo de medo do Futuro que nos mantém, quais formigas esmagadas pela responsabilidade, a caminhar cega e obedientemente umas atrás das outras.

Claro que não advogo a irresponsabilidade generalizada. Óbvio que devemos fazer projectos e pensar no Futuro o quanto baste, mas tal como o Passado que não podemos alterar, tratemos o Futuro como ele realmente é: uma realidade por vir que não podemos controlar.

Esta verdade nua e crua remete-me para uma imagem que se repete na minha cabeça. A imagem de um eterno candidato a passageiro, petrificado na plataforma, que olha com melancolia para a escuridão do túnel que engoliu o combóio que já passou, enquanto espreita com ansiedade para a luz do combóio que há-de entrar na estação, sem no entanto chegar a dar o passo em frente, sem entrar em qualquer carruagem, sem arriscar viver.

Pois deixemos de ser aquele passageiro estático e com medo de arriscar e sejamos incomensuravelmente mais felizes: vivamos o Presente!


"Yesterday is History, Tomorrow a Mystery, Today is a Gift, Thats why it's called The Present"
(frase de autor desconhecido que me foi dada a conhecer por um irmão)