A Génese deste Blog

Crio este blog numa fase particularmente nebulosa da minha vida, mas a verdade é que este é porventura um momento em que as verdades essenciais se me afiguram mais claras.
"Falarei" sem rodeios dos eufemismos que nos rodeiam no dia-a-dia e que vão travestindo de forma mais ou menos subtil as verdades que não são ditas ou que, de tão bem camufladas, tendem a perder o seu real impacto.
Não pretendo aqui partilhar, pregar ou defender cores, bandeiras, religiões ou políticas. Nos escritos que aqui deixar, e que amavelmente alguém resolva dedicar tempo a ler, limitar-me-ei a descrever as coisas, os ditos eufemismos, tal e qual como os vejo e sinto.
Neste blogue farei uso do rico e precioso vernáculo português quando me aprouver e sempre que um determinado eufemismo me revolva de tal forma as entranhas que só um bom grito de "Foda-se!" me permita exorcizar a sensação de impotência e libertar a tensão.
Não sou um ser perfeito, aliás bem longe disso, mas tenho olhos na cara (ou no coração?) e um cérebro que me permite pensar e avaliar o que se passa à minha volta. Portanto, partilharei aqui cada eufemismo que cruze o meu dia-a-dia e que me ponha a pensar.
Por último, reservo-me o direito de escrever de acordo com a "antiga ortografia" correndo o risco de ser chamado de velho do Restelo, bota de elástico ou qualquer outro "eufemismo" (quiçá até um palavrão), mas faço-o por opção própria e convicção.
Gonçalo Ene
21/02/2014
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14 abril 2014

Emprego Seguro

Alguns dirão que não sou mais do que um tipo ressabiado e de mal com a vida profissional em geral e com as entidades empregadoras em particular… pois talvez seja, mas sinto que estamos a voltar atrás no tempo e no progresso e que estamos cada vez mais a caminhar para uma escravatura dos tempos modernos.

Nos tempos que correm “parece que os empregos não abundam", mas, neste cenário e para além dos vínculos ditos precários, existem outros que olhados a pente fino roçam a aberração.

Neste sentido, as Organizações contemplam-nos hoje em dia com “regalias” que nos fazem cair na tentação de dar cada vez mais no trabalho, de ser cada vez menos o que mais deveríamos ser: Pais, Irmãos e Amigos presentes, Cidadãos informados e conscientes, Humanos…

Muitas organizações oferecem-nos Seguros de Saúde, Seguros de Vida, Prémios e outros benefícios para dar e vender, mas, no que toca ao que damos em troca, estamos, sem eufemismos, a tornar-nos, cada vez mais, burros de carga.

No início, no processo de recrutamento que orgulhosamente redunda na nossa contratação, somos animados por um manancial de “iguarias socioprofissionais” que nos fazem salivar, em jeito de reflexo Pavloviano, e querer, diria até ter de, agarrar a oportunidade.

E então, começa um Tango dançado a dois, em que a sensualidade se transforma em enfado e um dos dançarinos carrega o outro às costas.

No primeiro passo desta dança, dizem-nos: “Ora dá cá os dois braços que já é hora de começar a carregar”. E nós, cheios de ânimo e peito cheio de orgulho pensamos: “Toca a arregaçar as mangas, porque vim para trabalhar e a paga no final é bem boa”.

Num segundo momento, e já sem a deferência do pedir por favor, ordenam-nos de forma dissimulada que nos coloquemos de gatas enquanto “carinhosamente” nos colocam uns alforges no lombo.

Quando damos por ela, transformámo-nos em quadrúpedes que, quais bestas de carga, alancam com um par de alforges carregados até ao topo. Mas assim vamos, caminhando e alombando, porque afinal a mesada é boa.

Eis senão quando, o segundo bailarino observa com precisão matemática que “existe um desperdício óbvio de recursos que importa aproveitar; o burro de carga tem a cabeça a apanhar ar e, como não queremos que se constipe, nada melhor do que colocar-lhe um cesto na cabeça”. E como um cesto vazio corre o risco de se desequilibrar e cair, nada melhor do que carregá-lo mais um pouco, porque afinal o burro aguenta.

Olhamos então para nós e chegamos à conclusão que, a troco do salário e dos benefícios que o enfeitam, estamos a carregar mais do que é humanamente possível e do que racionalmente deveria ser exigível.

Mas não importa: a cenoura que nos colocam à frente é saborosa, é tão tentadora como a maçã do Éden, é tão cheia de encantos que nos faz esquecer o desencanto das chibatadas com que nos fazem avançar… vergados, desgastados e deprimidos.

Olhando de fora, com um rasgo de sobriedade e de alienação perante esta rotina trituradora de almas, há que pesar os prós e os contras e, se calhar, perceber que o Seguro de Vida dará jeito apenas a quem cá fica, porque a este ritmo morreremos cedo; o Seguro de Saúde será útil (caso a companhia de seguros não se corte) para corrigir as maleitas de esticar o corpo ao limite; e quanto aos restantes benefícios, farão as delícias de quem ainda conseguir ter tempo e energia para os gozar.

Em suma, e fora do êxtase de ganhar e ter mais dê por onde der, acabamos por compreender que o emprego seguro, a tábua de salvação que nos mantém a flutuar, não é mais do que o lastro que nos faz ir cada vez mais ao fundo… para um lugar onde não queremos ir; um lugar do qual, em muitos casos, já não conseguimos sair.

04 abril 2014

Referendo à Co-Adopção

Cada vez que oiço falar no famoso “Referendo à Co-Adopção” ou, mais correctamente, na proposta de realização do mesmo, não posso deixar de pensar no punhado de areia que foi atirado para os olhos do Zé Povinho. Nestes momentos de reflexão, cheguei à humilde conclusão de que a dita proposta não foi mais do que uma manobra de diversão, um embuste. Sigam por favor o meu raciocínio.

A Assembleia da República e, em particular, os deputados por nós eleitos, têm como honrosa missão e profissão definir as Leis com que se rege a nossa vida neste paraíso à beira mar plantado, certo? Ora, se assim é, porque temos de referendar matérias ou leis desta natureza? A dúvida fez-me pensar e olhar para a questão de diferentes prismas…

Admitindo tratar-se de uma “matéria sensível” e que pode, de alguma forma, mexer com aspectos de “legitimidade moral” ou dos “bons costumes” (que por cá gostamos de defender fervorosamente na imensa aura de toda a nossa pequenez), claro está que importaria consultar todo o Povo Português sobre “tamanha alteração”*.

Ou não! Talvez fosse apenas necessária a “coragem política” ou, sem eufemismos, uns bons pares de tomates, para aprovar esta alteração legislativa.

Vejamos… se não tem havido qualquer pudor em aprovar, umas atrás das outras, mexidas em direitos fundamentais dos Seres Humanos denominados de Povo Português, não deixo de questionar a leviandade com que se propôs referendar a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo.

Porventura estas outras matérias não nos diriam tão ou mais respeito do que o projecto de lei da co-adopção? A verdade é que não se propuseram referendos para auscultar a vontade dos portugueses sobre as opções tomadas pela maioria no Parlamento. Pois se, e perdoem-me a franqueza, houve tomates para decidir tanto em tão pouco tempo, porque faltou tão pouco para aprovar este diploma?
 
Mas há mais: tendo em conta, como dizia o outro, que “o País está de tanga”, quem diabo se lembraria de gastar cerca de uma dezena de milhões de euros na realização de um referendo sobre este tema, nos tempos que correm e com as dificuldades que atravessamos?

Quanto mais penso nisto, mais me ocorre que já tudo estaria devidamente cozinhado: aprovação na generalidade, adiamentos sucessivos da votação na especialidade, a proposta de referendo aprovada em plenário, a análise do Presidente da República, o envio para o Tribunal Constitucional, o chumbo ao referendo, nova votação na Assembleia da República e, voilà, o chumbo na especialidade com excelentíssimos Deputados a mudar o sentido de voto no espaço de alguns meses.

Em suma, numa “matéria fundamental” como esta, muda-se, ao cair do pano e numa viragem quase esquizofrénica, de opinião.

Finalmente, quando vejo escarrapachadas nas capas da revistas cor-de-rosa (vulgo, sem eufemismos, papel higiénico de baixíssima qualidade) um famoso casal de cabeleireiro e modelo da nossa praça a exibirem as “suas crias” como se de cães de loiça na feira de Azeitão se tratassem, não deixo de pensar que neste cantinho da Europa, existem de facto aqueles (poucos) privilegiados que são filhos da Mãe e os restantes que não são mais do que filhos abandonados de uma grandessíssima Puta. E o pior neste caso é que são as Crianças quem fica a perder…

Recuperando o título de Miguel Esteves Cardoso, “Como é Linda a Puta da Vida”, arriscaria dizer: “Como é Linda a Puta da Democracia em Portugal”.

* Nota: O projecto de lei propõe a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo, casados ou em união de facto. A iniciativa pretende atender a casos de crianças que já vivem nestas famílias, mas que perdem o seu pai ou a mãe biológica, e correm o risco de ser retiradas ao cônjuge sobrevivente por não terem com ele qualquer vínculo jurídico.  (fonte: Jornal Público - http://www.publico.pt/politica/noticia/coadopcao-chumbada-por-cinco-votos-1628292#/0)